Livro do MEC incentiva alunos a escrever e falar errado

Pobre língua portuguesa. Nós, brasileiros, adoramos maltratá-la. Mas isso é uma escolha nossa, forma de falar que usamos no dia-a-dia nas conversas de bar, entre os amigos e familiares. Mas a sociedade, em determinadas ocasiões, exige-nos o conhecimento da norma culta da língua. Esta ferramenta está prestes a ser tirada dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelo Ministério da Educação.

O volume didático de língua portuguesa Por uma vida melhor, da coleção Viver e Aprender, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) e adotado por 4.236 escolas públicas do país, incentiva alunos do Ensino Fundamental do programa EJA a falar e escrever errado, sob o argumento de que é preciso “valorizar a linguagem de grupo social e as diferentes variedades da língua portuguesa”. Neste contexto, erros gritantes de concordância são incentivados por uma das autoras do livro, Heloisa Ramos, como por exemplo: “nós pega o peixe”. A autora defende o “uso da norma popular” nas salas de aula, e dá outro exemplo de como os alunos podem espancar um pouco mais a já tão castigada língua portuguesa, com o beneplácito do MEC: segundo o livro, é perfeitamente aceitável usar a expressão “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”.

O que eu enxergo aqui é uma miríade incrível de equívocos, irresponsabilidades e más intenções.

As Cortes francesas dos Bourbon estabeleceram os bons modos (e muitas frescuras também) como norma e distinção social para toda elite culta e aristocrática da Europa. A burguesia, quando chegou ao poder, cortou a cabeça dos reis, mas procurou imitar a nobreza na questão da distinção social pelos costumes. Uma das formas de conseguir status e portas abertas na vida era justamente o bom domínio da língua culta e de suas normas gramaticais.

O mundo mudou bastante desde então, felizmente, mas uma coisa pelo menos permaneceu: o domínio da norma culta da língua é condição essencial para a ascensão social na sociedade burguesa em que vivemos, especialmente para os mais pobres. Mas o nosso Ministério da Educação acaba de fechar esta porta na cara de centenas de milhares de estudantes, que têm na Educação uma das poucas chances de subir na vida.

O que a autora deste abominável livro está fazendo é um atentado contra as classes sociais menos favorecidas, incentivando a exclusão social, condenando pessoas a terem uma identidade apenas nos seus restritos círculos sociais, com suas gírias e seus cacoetes linguísticos. Alguém imagina um advogado ou um engenheiro que não saiba falar corretamente e que seja bem sucedido? Alguma empresa contratando entusiasticamente um “brou” cheio de salamaleques na fala?

Vamos fazer o seguinte, burocratas do MEC e também de todo o Governo: a partir de agora, nos vestibulares das Universidades federais, nas entrevistas de emprego e nos concursos públicos que organizarem, estará autorizado o emprego das “diferentes variedades da língua portuguesa” , coisas como “nóis vai fazê comida”, ou “a gente comemos dois ovo no almoço”, em nome da “valorização da linguagem de grupo”, tudo bem? Senão, vai ficar uma coisa suspeita, vão pensar que vocês deliberadamente querem manter uma importante parcela da população pobre no seu restrito gueto cultural e na eterna ignorância, sem condições de concorrer pelos melhores empregos, sem poder ascender socialmente, sem saber falar a língua que vocês tiveram que dominar para poder sentar confortavelmente em suas cadeiras de funcionários públicos. Longe de querer que as pessoas saiam por aí falando ou escrevendo como Machado de Assis, quero apenas que vocês não tirem destes cidadãos uma ferramenta fundamental de ascensão social. Não podem cobrar a norma culta e incentivar a norma popular nas escolas dos pobres, senão fica parecendo discriminação social das brabas, disfarçada da melhor das intenções.

Fonte: Jornal O Dia, 13/5/2011, p. 6





Comentários

  1. Será que mais esta imbecilidade do MEC não é proposital? Não seria interessante manter a população analfabeta para, a exemplo do ocorrido no governo militar, ter uma massa de manobra a vida inteira?
    O duro é pensar que esses (i)responsáveis encarregados de aprovar os livros usados na rede pública de ensino (?) são mantidos com o MEU dinheiro!

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  2. Justamente Roberto, é essa a desconfiança que fica por causa deste absurdo!

    Grande abraço

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  3. Mais um texto brilhante. E é exatamente esse o processo que está ocorrendo. Eu dou aula numa escola pública e sempre o livro que vem "indicado pelo MEC" é o de notada pior qualidade.
    Cada vez se exige menos, se ensina menos, e se cobra mais na hora de "oferecer oportunidades".
    Vou tirar um dia para falar sobre isso também.
    Abraço

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  4. Mas isso é obvio o que mais o governo quer é o povo emburrecendo cada vez mais .Minha mãe é professora de português e ela mesmo fala que aqueles alunos passam mais tempo na escola emburrecendo do que outra coisa.
    Palmas para o governo e já já vem a grande apologia ao homossexualismo:Kit gay.
    Se puder passa lá no meu blog abraço
    http://uaimeu10.blogspot.com/

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  5. MEC ja era uma piada desde o infame ENEM. Nada mais me espanta desse (des)governo

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  6. Fala Almir,
    Cada uma inacreditável mesmo. Não duvido de mais nada em relação à educação, saúde, transporte, enfim, tudo que envolva governantes. Tá tudo tão podre que fica difícil achar uma palavra sequer para esse tipo de situação.
    Esperar o que desses caras?
    Amigo, muito obrigado pelas palavras lá no blog. O neto só trouxe muito mais felicidade para a família.
    Um grande abraço e ótimo final de semana.

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  7. Eu não li o livro, por isso não posso defendê-lo. Mas posso desconfiar das suas intenções. As quais, penso eu, não foram esclarecidas no conteúdo das reportagens. Acredito ser provável, por exemplo, que a proposta do livro não é "ensinar a falar errado" aos alunos. Simplesmente porque não há “certo e errado” na língua, mas “adequado e inadequado” ao ambiente. E essa proposta não é tão recente quanto parece.

    Gramática não é língua. Todos os nativos falam a sua língua e são compreendidos por ela perfeitamente. A ideia de uma gramática que carregue os traços da oralidade não é ensinar aos alunos que dizer “a gente comemos dois ovo no almoço” é certo ou errado, mas que é de tal forma que se fala na “língua falada”, podendo ser adequada ou não ao ambiente. Após isso, fazê-lo com que domine aquela mais aceita no espaço profissional, por exemplo.

    O que essa proposta deseja é livrar os alunos da ideia de que português é difícil ou de que é necessário dominar a gramática para escrever (e falar) bem, por exemplo. Um aluno completamente ciente de todas as regras gramaticais não é, necessariamente, um aluno que escreve e fala bem. Da mesma forma, um aluno que escreve e fala bem não está, necessariamente, ciente de todas as regras gramaticais. E outra: um aluno completamente ciente de todas as regras gramaticais não está, necessariamente, apto a interpretar corretamente um texto. Por isso, ensinar português não é ensinar a gramática da língua portuguesa.

    E mais. A repulsa a quem diz “a gente comemos dois ovo no almoço” é evidente socialmente, mas quem nunca contestou a regência “assistir à TV” como certa, quando todos naturalmente falam “assistir TV”? Estar de acordo com a norma padrão não determina, portanto, a sua aceitabilidade.

    Enfim, gostaria de ter posse do livro para criticá-lo com mais segurança, mas acredito que o conteúdo das reportagens a respeito foi bastante tendencioso, começando pelo título. Aliás, eu não acharia um absurdo que todo esse movimento e “espanto” fosse mais um meio de desmoralizar o governo. Bem, um livro bastante esclarecedor sobre esse assunto é Preconceito Linguístico, do Marcos Bagno. Para quem se interessa pelo assunto, eu recomendo.

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  8. Nossa, fiquei de cara com isso...
    Tudo bem que pode não ter o melhor livro, mas aí já é abusar...
    A educação está ficando cada vez mais cara nesse país.

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  9. Olá Almir

    Respeito sua opinião e acredito que seja a mesma de milhares de pessoas (principalmente as escolarizadas). Entretanto, como aluna de letras, tenho uma opinião diferente: na faculdade, estudamos uma disciplina chamada Sociolinguística. Para os adeptos das teorias sociolinguísticas (às quais essa obra do MEC está vinculada) não existe erro, mas adequado e inadequado. Isso não quer dizer que os professores não ensinarão aos alunos os pressupostos da norma culta da língua. Significa que eles ajudarão os alunos a adequar sua fala a diferentes situações. Você pode falar "E aí, os cara sairo" com seus amigos, com pessoas que falem da mesma forma, em situações informais. Mas não falará assim no trabalho, numa entrevista ou em qualquer situação formal. É assim que deve ser, ao meou ver, o ensino de língua portuguesa.

    Grande abraço!

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  10. Olá Roseane,

    Neste ponto que levantou, eu concordo com você, ma spra isso não era necessário um livro didático, as pessoas já falam assim no dia a dia, o que elas precisam ser incentivadas é a usar a outra forma de falar, aquela que será cobrada durante suas vidas. Eu acho que esses eufemismos de "adequado" ou "inadequado" não nos levam muito longe, quando estamos tratando de um ambiente onde se deveria incentivar o uso da língua na sua norma culta, não por uma questão de hierarquia, mas por uma questão de ascensão social, que é a escola. Pois então me diga: é "adequado" usar este tipo de linguagem dentro da sala de aula? Se voce cruzar os dados destas supostas "linguagens de grupo" com o tipo de qualidade de educação que tiveram, vai perceber que estes erros nada mais são do que má formação escolar, e não "formas alternativas de linguagem" como quer fazer parecer a sociolinguística, disciplina muito próxima de correntes políticas como o multiculturalismo, pluralismo, pós-modernidade e outras.

    Todo mundo fala e escreve errado nos ambientes menos formais, isso é um fenômeno normal e já bem conhecido. Mas não há por que incentivar erros (sim, são erros) de português, sob nenhum argumento, em sala de aula, porque isso tem repercussões muito graves na vida deste aluno no futuro. Ou abandonamos de vez a gramática, ou seguimos as normas.

    Grande abraço e uma ótima semana.

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  11. Só pra completar:

    Uma coisa, é você conhecer as normas básicas de sua língua, mas falar relaxadamente entre os amigos, por exemplo: "pô, a gente pegamos as coisa e fomo embora". Legal, muito bem. Ninguém vai criticar uma coisa dessas.

    Outra coisa, é você falar assim, porque não teve uma formação escolar decente, de modos que esta é a única maneira que você sabe se expressar.

    Uma pessoa assim não chega muito longe na vida, e é para este fato que eu queria chamar atenção, e não se é adequado ou inadequado. Muitas pessoas falam "inadequadamente" porque não foram incentivadas ou ensinadas a falar "adequadamente", aí que está o problema. Quem dera que elas pudessem optar em qual ocasião usar tal ou qual forma de falar.

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  12. Almir, tudo bem?
    excelente post amigo!!!!
    Tudo já foi dito, por ti e teus leitores, mas posso complementar com o seguinte. Sabe o que me lembrou tudo isso, aquela música:
    "eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela em que eu nasci, .....orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar".
    É bem o que você falou! Concordo totalmente!
    1000 Beijos

    Humoremconto
    http://anaceciliaromeu.blogspot.com

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  13. Política do pão e circo???

    Gostei do blog

    Abraços

    Alexandre
    http://soupretomassoulimpinho.blogspot.com/

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  14. Ignorantismo. Será essa a nova matéria que o MEC vai colocar no currículo escolar?

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  15. Oi Cissa,

    Eu gostei muito de ter lembrado esta música, foi muito "adequada" à ocasião (rsrs)

    E Bel, ao que tudo indica, pelo menos para certa camada da população, parece que sim.

    Um grande abraço e obrigado pela participação ;)

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  16. Almir, tu chegaste a ler o "polêmico" capítulo do livro do MEC? Sabes qual é o título? Pergunto porque tua manifestação acerca da possibilidade de optarmos pelo modo de FALAR (e não de escrever, como se tem referido por aí) é exatamento o que se lê no livro. Recomendo que o leias. Também recomendo que leias o que diz o professor Sírio Possenti em seu blog no Terra. Como mestre em Letras, gostaria de deixar essa minha singela contribuição. Abraço!

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