O Conservadorismo Brasileiro

bandeira do império

O Brasil tem uma imagem de país de vanguarda, reino de certa liberalidade, onde as pessoas são felizes e podem fazer o que bem entendem, ser elas mesmas, amando e vivendo do jeito que quiserem. Gostamos de mostrar ao mundo as mulheres brasileiras em seus biquínis ousados na praia, como símbolo deste espírito progressista. Mas será que somos realmente um país assim?

Temos uma melhor compreensão do que é ser conservador se prestarmos atenção na fase em que o conservadorismo esteve mais latente: durante a ascensão dos ideais iluministas do século XVIII, na França. Quando pensadores iluministas lutavam para soltar a sociedade das amarras do atraso, da opressão, da tradição nobiliárquica e religiosa do Antigo Regime, os senhores do clero e da nobreza que gozavam dos maiores privilégios se mexeram, num movimento de reação para a auto-preservação contra a ascensão do Terceiro Estado. Segundo a Mestra e Doutora em História pela UFF, Maria Bernadete Oliveira de Carvalho, “o conservadorismo como estrutura consciente de pensamento segue essa lógica de formação, pois ele é reação à transformação”. A burguesia francesa derrubou o Antigo Regime em décadas de muita luta, mas aliou-se mais tarde aos próprios conservadores contra o povo, quando os trabalhadores lutavam pela prometida Igualdade, que nunca chegou. Mantiveram assim as antigas bases tradicionais da sociedade, tornando-se, a própria burguesia, conservadora, agora que alcança o poder político.

Formou-se de maneira bastante similar no Brasil, o bloco da elite conservadora, que é representado aqui, de modo geral, pelo clero católico, os latifundiários herdeiros dos colonos portugueses, os burgueses industriais, grande parte da mídia e as Forças Armadas. É interessante notar que, em grande medida, a classe média, em todos os seus segmentos, é cooptada pela ideologia conservadora desta elite brasileira contra a população das classes mais baixas, sob o lema lançado nos anos 30 pelo fascista tupiniquim aspirante ao título de Hitler dos trópicos, Plínio Salgado: “Deus, Pátria e Família”.

Vemos, hoje em dia, crentes, políticos e militares serem contra o PL 122 ou ao PNDH-3, e podemos compreender melhor agora a raiz em comum do seu pensamento. “Isto vai contra os ensinamentos de Deus”... “É um perigo à Pátria”... “Mas é um atentado aos valores da Família”... Reparem, são sempre estas as palavras-chave, que são capazes de unir numa mesma ideologia segmentos tão diferentes da sociedade: fazem um político fascista como um Jair Bolsonaro, por exemplo, ser capaz de marchar nas ruas de mãos dadas ao lado de um pobre negro e favelado, se este for cristão, embora não tenham mais nada em comum a não ser o preconceito conservador, e devessem estar de lados opostos da trincheira político-ideológica. Como já definiu bem Tim Maia numa frase que lhe é atribuída: “no Brasil, prostituta goza, traficante cheira, cafetão tem ciúmes… e pobre é de direita.”

Quando vejo este lema ser evocado em algum lugar, já fico logo ressabiado. Lembro da Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, uma série de passeatas organizadas pela Igreja Católica contra o presidente reformista João Goulart em 1964, usada como justificativa pelas Forças Armadas para o fatídico Golpe Militar.

“Deus, Pátria e Família”. Mas que Deus é esse? É o deus da Igreja Católica, que é a base secular da alienação esociedade-acucareira1 domesticação dos povos em favor das classes dominantes, desde a Idade Média até hoje; que apoiou a escravidão, que diz que o sacrifício do pobre é dignificante e que apóia golpes militares. Que Pátria é essa? É a pátria que herdamos dos portugueses, uma pátria de colonos e colonizados, da Casa Grande e da Senzala, do senhor e do escravo, que as Forças Armadas se arrogaram o direito de tutelar desde o Golpe do Marechal Deodoro em 1889. Mudar para permanecer a mesma coisa. Mas que Família é essa? É a família cristã, burguesa, rígida, patriarcal e machista, que se opõe a qualquer tipo de visão que não seja a sua. Que luta contra o casamento homossexual, a adoção de crianças por estes casais, que se diz moralmente superior, que torce o nariz para matrimônios interraciais.

O Brasil vive sob esta ideologia desde a sua fundação, e estas características começam a florescer na veia agora, na medida em que grupos sociais de movimentos de minorias começam a questionar este comportamento, como os movimentos feminista, homossexual e negro. Daqui a 10, 15 anos, vamos ver se a sociedade brasileira de fato mudou, ou se os conservadores terão vencido de novo.





Comentários

  1. belo gancho cara! o brasil tem muito ainda pra caminhar nesse sentido...

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Acho mais fácil nos tornarmos um novo "Estados Unidos", com as diferenças cada vez mais marcadas e divididas. Sinceramente não tenho muito esperança quanto a isso, já que, com tudo o que temos visto e discutido sobre o processo de alienação das crianças de hoje em dia, a tendência é termos cada vez menos questionadores.
    Mais um belo texto, meu amigo.
    Abraço!

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  4. Oi Almir, meu amigo, tudo bom?
    Que texto bem-escrito meu amigo, estou para te dizer que talvez tenha sido o teu melhor post, em minha singela opinião.
    Mas repleto de informações, e tanto para comentar, vou ter que tentar sintetizar.
    O conservadorismo no Brasil é algo propagado como um virus de internet,aquela questão do pobre de direita, é muito verdadeiro. Geralmente quem reclama, se insurge, são grupos de intelectuais, entidades de classe: professores, servidores...
    Na nossa bandeira os dizeres ORDEM e PROGRESSO, podem ser traduzidos para - ORDEM ao povo; PROGRESSO para elite. E é assim que acontece, aconteceu e, se não criarmos uma nova geração de "cabeças pensantes", acontecerá o conservadorismo, talvez até fortalecido, pois mascarado em lixismos culturais de "Meteóros da Paixão", e em "bolsas família".
    Esperto mesmo é o Palloci, caiu fora e deu! Desarmou todo mundo, e tudo segue igual. Daí nos perguntamos "Onde está Wally???", ninguém sabe, ninguém viu.

    Para encerrar, me lembrei da frase de Oscar Wilde, escritor irlandês do século 19: "patriotismo é a virtude dos homens maus". No que completo: quando colocam religião junto, aí são de homens piores ainda.

    Me empolguei, mas muito, muito bom teu texto!
    Grande e inteligente amigo!
    Volto sempre Almir,
    grande beijo.

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  5. Olá Almir,
    O Brasil é um país de mentira. Não tenho dúvidas quanto a isso. Chamam de democracia um país que vive de medidas provisórias? E a Constituição? E pensar que acreditei nesses caras por 20 anos.
    Mas o que se vende do Brasil lá fora? Futebol, Carnaval e Bunda.
    Alguma dúvida?
    Um país que tem absolutamente de tudo. Tudo para ser o país mais forte do mundo!!!
    Mas o que encontramos? Uma cambada de corruptos, ladrões e salafrários.
    Amigo, apesar de tudo gostamos daqui. É o nosso país. Mas que poderia ser diferente, poderia.
    Grande abraço e bom final de semana.

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  6. Muito bom o texto, Almir! O grande problema do Brasil, um dos países mais conservadores e, portanto, hipócritas,pela imagem que vende de si mesmo, é que as pessoas estão mais preocupadas com o vizinho ao lado (com a forma de viver, com a cor da pele, com a opção sexual), do que com a própria vida. E assim surgem distorções de toda ordem.
    Se se preocupam consigo mesmos é no sentido de se protegerem das "mazelas" da sociedade!

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  7. Muito bom o blog estou seguindo
    Passa la no meu se puder segue também
    http://linekerpablo.blogspot.com/2011/07/com-atuacao-apagada-de-ganso-brasil.html

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