Os médicos cubanos e os guerrilheiros do Araguaia

Guevara e Fidel

O curso de Medicina sempre foi um dos mais prestigiados entre as elites bacharelescas brasileiras desde muito tempo atrás, e continua sendo nesse começo de século XXI. Se alguém duvidava, nossos caros “doutores” sem doutorado têm se esmerado para deixar bem claro esse fenômeno, tendo em vista os seguidos e vergonhosos protestos reacionários contra a contratação de colegas estrangeiros para cuidar da população pobre brasileira, numa clara demonstração de puro interesses de classe.

Eu disse colegas estrangeiros? Não, não… na verdade todo esse reacionarismo histérico é contra colegas cubanos.

Já não se trata somente de uma mera preocupação com a reserva de mercado (é assim que eles veem a Medicina atualmente, pelo viés do Mercado) contra a concorrência estrangeira, ou da defesa de interesses das indústrias farmacêuticas com as quais são, em grande medida, mancomunados, como suspeitam o Socialista Morena e o Observatório da Imprensa, entre outros sites. Também já extrapolou o mero âmbito da Medicina. O que estamos assistindo é a mais pura e abjeta reação política de uma determinada classe social: é a elite conservadora brasileira que está esperneando através de um dos seus mais nobres segmentos – os médicos – contra elementos de um país que foram doutrinados desde a Guerra Fria a enxergarem como inimigos – e cujo esperneio é reverberado pelas classes médias urbanas, chegando até as classes populares. 

Mas por quê essa reação? Eu tenho minhas próprias suspeitas, pode ser que você concorde com elas.

Vejamos: no começo dos anos 70 o Brasil estava vivendo o auge da repressão da ditadura civil-militar, o que motivou alguns militantes da esquerda brasileira a pegarem em armas. O PCdoB mandou alguns de seus agentes – muitos deles, curiosamente, estudantes de enfermagem e medicina – a aprender táticas de guerrilha na China. A intenção era começar uma guerrilha no Brasil exatamente por onde o país era mais pobre e necessitado, no interior das selvas amazônicas e sertões. Foi assim que em 1959 Fidel conseguiu expurgar a ditadura de Cuba. Um dos locais escolhidos foi o do Araguaia, uma das regiões mais inóspitas, miseráveis e abandonadas do Brasil.

O mais importante aqui é a tática. Conquistar as populações pobres do Brasil para a causa marxista, através de ajuda, assistência médica, saneamento básico, partos, técnicas agrícolas. Não conseguiram. A reação militar contra os guerrilheiros foi tão violenta que até hoje causa ressentimentos e apelos para esclarecimentos sobre o massacre cometido pelo Exército naquele episódio.

A Guerra Fria acabou, mas não o medo das elites e das classes médias em relação ao “perigo vermelho”. No meu modo de entender, o que está por trás dessa enorme reação contrária das classes médicas, é o medo das elites e classes médias de que os pobres e esquecidos sertanejos brasileiros possam receber um mínimo de inédita dignidade e se perguntar: “que país é esse que nos manda ajuda, e onde negros, mestiços e pobres como eu, em vez de serem relegados ao descaso, são doutores?”

Enfim, por improvável que possa ser, no fundo esse é o medo das elites brasileiras, já classificadas pelo saudoso Darcy Ribeiro como umas das mais opulentas, antissociais e conservadoras do mundo. Que os pobres comecem a enxergar a sua condição miserável, comecem a fazer comparações e questionamentos, a entenderem o seu papel dentro de um determinado jogo de interesses, que as pessoas comecem a ver a medicina como direito e obrigação do Estado, e não como favor de um coronel ou mercadoria... Enfim, que os comunistas cubanos possam fazer o que os guerrilheiros do Araguaia não puderam. Isso sim, é um perigo… Hoje as classes conservadoras já não têm o Exército, mas continuam tendo a imprensa.





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