Geração de empregos justifica tudo?

EmpregosConta-se que, antigamente, no sul dos Estados Unidos, os prisioneiros em fuga deixavam pra trás arenques defumados para despistar o faro dos cães da polícia. Esses episódios acabaram dando nome a um artifício da retórica, um paralogismo que leva alguém a desviar de forma premeditada nossa atenção do assunto principal.

Os teóricos e economistas do mainstream capitalista bolaram um arenque defumado perfeito para evitar que seus interesses sejam prejudicados pelas suas más ações. Trata-se do seguinte: obviamente, ninguém pode ser a favor de demissões em massa e do desemprego, certo? Mutatis mutandis, qualquer coisa se seja nociva, danosa, custosa ou desagradável causada pelas indústrias capitalistas (mas que seja, por isso mesmo, bastante lucrativa) pode ser justificada desde que gere muitos empregos. É infalível.

Poluição em troca de empregos

Três anos atrás, a empresa alemã ThyssenKrupp, obedecendo nova legislação na Alemanha – que basicamente dizia: “pegue sua indústria poluidora e a leve bem longe daqui para algum país do Terceiro Mundo” – abriu a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em parceria com a Vale. Desde então, diversos atentados ao meio ambiente e à Saúde Pública vêm sendo cometidos em escala faraônica na região, com fatos absurdos que vão desde a poluição da baía de Sepetiba a uma constante nevasca de poeira de prata que cai sobre as casas do bairro, causando problemas respiratórios nos moradores.

Ante a ameaça de punição e repercussão negativa, qual foi a justificativa para que a empresa não sofresse sanções? Acertou quem disse: os empregos. A CSA emprega por volta de 3,5 mil trabalhadores, e basta a ameaça de uma simples multa para que até membros do governo do Estado lancem bastantes arenques defumados no nosso caminho. “Vejam, mas e os empregos?” “Olhem, são 3,5 mil famílias, o que é um rio poluído ou uma chuva de cinzas cancerígenas perante 3,5 mil famílias sem trabalho?”. Mas a Comissão de Moradores da Comunidade Organizada de Santa Cruz acha que os empregos não justificam e nem sequer são tantos quantos poderiam ser. Numa carta intitulada O Flagelo ThyssenKrupp-CSA, eles afirmam :

A CSA gerou emprego para 10 mil pessoas na sua fase de construção e serão apenas 3,5 mil após seu pleno funcionamento. A mão-de-obra usada na construção não será absorvida pela indústria. Um dos critérios internacionais do programa de desenvolvimento das Nações Unidas aponta para 1 emprego gerado a cada 200 mil Reais investidos, ou menos. Ora, se considerarmos o investimento de 7 bilhões de Reais, deixando de lado todas as isenções fiscais concedidas pelos governos e dividirmos pelos 10 mil trabalhadores da fase de construção mais os 3,5 mil após seu pleno funcionamento, cada emprego estará sendo gerado a um custo de mais de 500 mil Reais. Quase 3 vezes mais do que a referência de geração de empregos. E se considerarmos apenas os 3,5 mil empregos o custo chega a 2 milhões de Reais para cada emprego.


 

Automóveis que dão trabalho

Outra questão muito importante diz respeito ao modelo de mobilidade urbana que o governo incentiva e que privilegia o automóvel em detrimento do transporte público. A justificativa é a mesma: os milhares de empregos gerados no setor automobilístico. O arenque defumado do governo e das montadoras desvia totalmente nossa atenção de todos os problemas causados pelo excesso de veículos nas grandes cidades, a poluição, os acidentes, os estresses no trânsito, os milhões de Reais perdidos nos engarrafamentos, e no agracia com manchetes cheirosas como essa, lançada recentemente numa revista especializada: “Produção de veículos bate recorde em 2013”. É pra comemorar?

Se você é contra esse fetichismo pelo automóvel e defende um modelo mais eficiente de transporte, ecologicamente viável e em defesa do transporte coletivo, então você só pode ser a favor do desemprego de milhares de trabalhadores... Existe falácia mais benéfica para os interesses das grandes montadoras? Muita gente realmente pensa que, pelos empregos, vale tudo.

É claro que todo mundo gosta de empreendimentos que criem bastantes empregos. Só que isso não deveria ser na base do vale tudo com agressões ao meio ambiente, preferências por modais de transporte equivocados, ou qualquer outro dano coletivo no futuro de gerações. Os arenques defumados das indústrias capitalistas costumam desviar o foco dos enormes problemas que causam em nome dos poucos benefícios que geram. Mas será mesmo que estas grandes empresas são tão boazinhas e só pensam em nos dar empregos? Ou é mais provável que elas estejam apenas explorando a leniência de nossa legislação para lucrarem mais com menos investimentos?





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